Era uma manhã de sábado aqui no Rio de Janeiro. Eu tinha uma reunião na paróquia e resolvi chegar mais cedo para fazer as minhas orações. Entrei apressado e sentando-me alguns bancos à frente do altar, diante do sacrário, imediatamente comecei a dizer: Senhor, fala comigo. Sem muito esperar eu continuava: Senhor, por que não falas comigo? Onde está sua voz? Assim me deixei ficar com o coração angustiado, murmurando sempre um pedido de resposta.
Discretamente uma senhora entrou por trás do altar. Tinha os cabelos grisalhos e caminhava com passos tranqüilos, levando nas mãos uma toalha branca. Não tinha pressa, não parecia estar atrasada. Cuidadosamente estendeu a toalha e acertava pacientemente as suas pontas, numa busca de simetria que lembrou minha avó nos almoços de família aos domingos. Sem perturbar o silêncio, saiu e voltou, desta vez, com dois vasos de flores
muito bonitas que descansou em cada extremidade, ajeitando-os mais de uma vez, como um fotógrafo que busca o melhor ângulo, a imagem perfeita. Nenhum ruído a distraía. Por último, retornou com dois grandes castiçais prateados, descansando-os sobre a mesa do altar, ao lado das flores. Antes de ir embora, finalmente parou diante da imensa cruz vazia que caracteriza a paróquia da Ressurreição, contemplando-a tão próxima e intimamente. O rosto erguido, as mãos unidas, os lábios que se moviam mudamente, tudo era tão lindo. Naqueles dois minutos tive a sensação de morar toda a eternidade.
Talvez fosse a grande diferença de tamanho entre a cruz e a boa senhora. Talvez a calma com que ela se movia ou a precisão serena dos seus gestos. Quem sabe tenha sido o seu silêncio. Enfim, algo acordou em mim naquela manhã, no exato momento em que estive participando daquela cena. Soube naquele instante que só quando calei minha voz e abrindo os olhos, comunguei da tranqüilidade, calma e entrega com que ela realizava seu
serviço, somente aí comecei verdadeiramente a rezar. Tive, então, a certeza de que Deus me falava num discreto diálogo sem palavras.
Voltei mais tarde à paróquia para a celebração da missa. Sobre o altar, estavam a toalha, as flores e os castiçais. Pouco a pouco os paroquianos iam chegando, trocando cumprimentos, pegando os folhetos e fazendo o sinal da cruz. Alguns rezavam. Alguns conversavam. Alguns apenas permaneciam calados, repousando na Paz que encontramos ao estarmos diante do altar. Ninguém se perguntava sobre quem o teria ornamentado, quem teria escolhido as flores ou delicadamente estendido a toalha branca. Ninguém
sabia da beleza que eu havia contemplado ao ver aquela adoração diante de uma cruz tão grande, que parecia ainda maior por estar vazia. Mas todos partilhavam da Paz e beleza que transbordava do altar. Naquela hora eu soube que mais uma vez o Senhor falava no meu coração.
Augusto Cezar - DOM
tioguto@ig.com.br